Dificuldades fazem médicos no Brasil 'usar 5 sentidos', diz cirurgião
Formado em Medicina na Alemanha em 1994, o brasileiro Carlos Alberto Diniz atua como médico em um consultório no centro de Munique e já foi diretor de um hospital em uma pequena cidade no sudeste do país.
Mas apesar de reconhecer as vantagens de trabalhar como médico em uma economia desenvolvida, ele afirma que há uma dependência "excessiva" das tecnologias entre os profissionais europeus e elogia a abordagem "mais prática" dos médicos brasileiros, que "utilizam os cinco sentidos na hora de dar o diagnóstico".
Durante este período, ele pôde testemunhar em primeira mão os problemas de infraestrutura enfrentados por grande parte dos médicos brasileiros que atuam no serviço público e as dificuldades pela quais passam muitos pacientes.
"Aconteceu no Hospital Estadual Getúlio Vargas (no Rio de Janeiro). A mãe alegava não ter dinheiro para comprar um antibiótico contra a meningite do filho, de extrema necessidade, já que criança estava muito doente, a perigo de morrer", conta ele.
"Optei por ir eu mesmo à farmácia e comprar o medicamento do próprio bolso. Esse tipo de coisa jamais aconteceria na Alemanha, já que os seguros de saúde custeiam os medicamentos em quase 100%. No dia seguinte recebi uma bronca da direção do hospital. Ficaram com medo de que a notícia de que o hospital dava 'remédio de graça' se espalhasse. Aquilo me chocou muito".
Paradoxo
"A grade curricular no Brasil tem mais orientação prática. Isso é uma grande vantagem em relação aos alemães."
O cirurgião cita outras vantagens do profissional brasileiro: "Pode parecer paradoxal, mas a escassez de recursos nos hospitais e clínicas públicas no Brasil obriga o médico a usufruir de seus cinco sentidos na hora de dar um diagnóstico. Ele usa seus sentidos como um sensor na hora de detectar a doença, e isso é um grande mérito".
Um exemplo "clássico", para o médico, é a identificação de doenças de "diagnóstico bem simples", como a apendicite.
"No Brasil, se o paciente chega se queixando de dores na parte inferior direita da barriga, a primeira coisa que o médico fará será apalpá-lo na barriga. Aqui (na Alemanha), ele já é encaminhado para uma série de exames, muitas vezes sem que o médico sequer encoste a mão nele".
Para ele, isso se reflete também no perfil dos pacientes. "O paciente no Brasil sabe que o seu seguro-saúde não vai cobrir todos os seus exames, sabe também que, por melhor que seja este seguro, ele não cobrirá os medicamentos mais caros. Então, ele se cuida melhor, justamente para evitar ir ao médico".
O cirurgião vê esta crescente dependência de tecnologia entre os médicos alemães com preocupação.
"O uso dos cinco sentidos é essencial para o exercício da boa medicina, e o que vejo na Alemanha muitas vezes é que o excesso de tecnologia na medicina alemã coloca esta habilidade, tão fundamental, em risco. Os próprios alemães têm percebido que os custos no sistema de saúde tornam-se cada vez mais altos, já que por qualquer bagatela é sempre pedido uma bateria enorme de exames."
Diniz afirma que a experiência no Brasil lhe ensinou a lidar com os recursos disponíveis na Alemanha com "mais consciência".
"Me pergunto duas vezes antes de prescrever um exame. Hoje mesmo tive dois pacientes que se espantaram, positivamente, por eu tê-los examinado, simplesmente examinado".
Ainda assim, o cirurgião afirma que "é um luxo ser médico na Alemanha".
"Aqui eu sei que qualquer paciente, realmente qualquer um, terá acesso a medicação que eu prescrever. O sistema público de saúde deles é o mais abrangente que conheço".