• 29/04/2024

    A Influência do Fumo na Doença Periodontal.

    A proposta básica deste trabalho é avaliar através de revista de literatura a ação do fumo nos tecidos periodontais, assim como o comportamento da doença periodontal frente a fumaça do cigarro. Sabe-se que o fumo exerce um efeito negativo na integridade e saúde, tanto do periodonto de proteção, quanto no de sustentação; promovendo alterações nas reações vasculares, reduzindo a resposta cicatricial periodontal, e prejudicando as funções celulares defensivas contra patógenos orais. Sendo assim, o fumo não só diminui a resposta cicatricial, como também acelera a destruição periodontal.

    INTRODUÇÃO:

    O fumo é associado a inúmeras patologias e responsabilizado por altos índices de mortalidade em todo o mundo. Os malefícios provocados pelo hábito de fumar são abordados por diferentes profissionais da área da saúde.

    A fumaça do cigarro resultante da combustão incompleta do tabaco é constituída por uma mistura heterogênea, da qual fazem parte a nicotina e o monóxido de carbono (CO), que são as principais substâncias químicas responsáveis pelos efeitos deletérios do fumo nos tecidos periodontais.

    Sabe-se que a nicotina, está relacionada à perda óssea alveolar, perda de inserção periodontal, formação de bolsas periodontais e consequentemente perda de elementos dentais1,2,7,8,9. Isto é observado devido a ação da nicotina sobre as funções defensivas de monócitos, e neutrófilos, na IgG2 sérica reativa para o Actinobacillus actinomycetemcomitans(Aa), assim como sua ação sobre fibroblastos gengivais, produção de fibronectina e colágeno tipo I que3,4,14,15,16,17,18,25, somado as diminuição do transporte de oxigênio produzida pelo monóxido de carbono alteram a resposta cicatricial tanto após terapia periodontal cirúrgica quanto não cirúrgica25. Sendo assim, o fumo de tabaco tem sido apontado como o principal fator de risco associado a doença periodontal.

    Esse trabalho tem como propósito relatar as diferentes faces da influência do fumo na doença periodontal.

    REVISÃO DA LITERATURA:

    ARNO et al (1959) estudando pacientes fumantes e não fumantes num acompanhamento de 6 anos, relatou maior perda óssea, menor redução da profundidade de bolsa e maior perda de inserção horizontal em furcas em pacientes fumantes.

    AXELSSON et al (1998) estudaram 1093 indivíduos de 35, 50, 65 e 75 anos. A porcentagem de fumantes foi 35%, 35%, 24%, e 12%, respectivamente. Fumantes apresentaram maior perda de inserção à sondagem em todos os grupos; essa diferença foi de 0,35mm (p=0,001); 0,88mm (p=0,001); 0,85mm (p=0,001) e 1,33mm (0,002) respectivamente.

    BAAB et al (1987) relataram o impacto negativo do fumo na cicatrização de cirurgias através dos efeitos celulares deletérios da nicotina nos fibroblastos e leucócitos polimorfonucleares.

    BARBOUR et al (1997) informaram que linfócitos B e T expostos ao tabaco exibem reduzida capacidade proliferativa, o que poderia limitar a produção de Ig protetora contra patógenos orais.

    Estudos realizados por BERGSTRÖN et al (1998) avaliaram a influência do fumo nas reações vasculares durante a gengivite. Dezesseis estudantes com saúde dental (8 fumantes e 8 não fumantes, entre 19 e 42 anos) permitiram a indução de gengivite por acúmulo de placa e foram examinados ao final de 28 dias. Os autores observaram um aumento de vasos sangüíneos em ambos, fumantes e não fumantes, porém a intensidade da reação vascular em fumantes foi somente de 50% do que foi observado em não fumantes. Após a restituição da higiene oral, o número de vasos gengivais equipararam-se aos valores pré-experimentais de ambos os grupos.

    BERGSTRÖN et al (1990) instituíram um programa de orientações de higiene oral, abrangendo 68 pacientes (entre 21 e 60 anos) dos quais 28 pacientes eram fumantes. Após 12 meses, os autores verificaram que os índices de placa e sangramento gengival reduziram tanto em fumantes quanto em não fumantes, porém nos fumantes esses índices foram mais baixos, relatando que nos fumantes a expressão clínica da gengivite em resposta a placa foi suprimida.

    BERGSTRÖN et al (1991) pesquisaram a relação entre o fumo e a perda de altura óssea periodontal em 210 pacientes (de 24 a 60 anos), sendo que 30% eram fumantes, 32% ex-fumantes e 38% não fumantes. Os autores observaram que a perda óssea foi significantemente maior em fumantes quando comparado aos não fumantes (1,71 ± 0,08mm e 1,45 ± 0,04mm, respectivamente).

    BERGSTRÖN & ELIASSON (1987) compararam a altura de osso alveolar de fumantes e não fumantes. Foram estudados 235 pacientes entre 21 e 60 ano, dos quais 72 eram fumantes. Os resultados revelaram uma significante redução na altura do osso alveolar em fumantes comparado aos não fumantes (1,71 ± 1,3% e 82,8 ± 0,6%).

    BERGSTRÖN & PREBER (1994) mostraram através de estudos experimentais que o fumo diminui a reação vascular observada na gengivite, e em conseqüência, têm-se uma disfarçada supressão dos sinais da inflamação gengival. Além disso, os autores relataram que o consumo do tabaco não está associado à microflora periodontopatogênica, ou seja, pacientes fumantes e não fumantes com doença periodontal severa não diferem em relação a ocorrência de : Aa, Porphiromonas gingivalis e Prevotella intermedia.

    Estudos realizados por BIRKEDAL-HANSEN et al (1980) determinaram os efeitos da nicotina na proliferação de fibroblastos gengivais, produção de colagenase e de fibronectina e na destruição de colágeno tipo I. Os autores relataram que a nicotina inibe a produção de fibronectina e colágeno, além de aumentar a atividade da colagenase.

    CLARKE (1981) verificou que a nicotina tem efeito adverso na microcirculação, e no fluxo sangüíneo, induzindo a uma vasoconstrição crônica nos tecidos periodontais, interferindo no processo de cicatrização periodontal, alé de inibir o crescimento de fibroblastos gengivais, produção de fibronectina e colágeno, promovendo a sua destruição.

    Estudos realizados por COHEN et al (1985) relataram que neutrófilos expostos à nicotina apresentam sua produção de superóxido e peróxido de hidrogênio (radicais O2 que participam da morte microbiana) diminuídas, pois além da nicotina inibir a absorção de oxigênio pelos neutrófilos, absorve também alguns radicais oxigênio que foram produzidos.

    DANIELSON et al (1990) confirmaram que os fumantes não expressam tão claramente os sintomas da gengivite como os não fumantes, num equiparável índice de placa.

    DAVID et al (1995) pesquisando a influência do fumo na cicatrização, relataram que a nicotina inibiu o crescimento de fibronectina e colágeno, além de aumentar a atividade da colagenase, prejudicando portanto a cicatrização periodontal.

    Estudos realizados por GROSSI et al (1997) demostraram que após o tratamento periodontal mecânico, fumantes revelaram cicatrização prejudicada (já que fibroblastos expostos à nicotina apresentaram reduzida migração e fixação às superfícies radiculares) e menor redução de Bacteróides forsythus e Porphyromonas gingivalis subgengivais comparados a ex fumantes e não fumantes. Os autores concluíram que parar de fumar pode restaurar a resposta cicatricial normal.

    A influência da raça associada ao fumo na doença periodontal foi estudada por GUNSOLLEY et al (1997). Os autores revelaram que indivíduos fumantes negros com periodontite do adulto apresentam concentrações mais baixas de Ig G1 , enquanto que os mesmos com periodontite generalizada de início precoce apresentam concentrações mais baixas de Ig G2.

    Estudos realizados por HANES et al (1991) demostraram a influência da nicotina nas funções defensivas de neutrófilos e monócitos, em relação às suas atividades bactericidas contra patógenos orais. Os autores relataram que neutrófilos expostos à nicotina apresentaram atividade bactericida contra Aa, Actinomyces naeslundii e Fusobacterium nucleatum diminuídas; em ambiente anaeróbio esse efeito não foi observado, concluindo que a nicotina afeta preferencialmente mecânismos de destruição oxigênio-dependentes.

    KALDAHL et al (1992) informaram que fumantes apresentam cicatrização menos favoráveis tanto na terapia periodontal cirúrgica quanto na não cirúrgica, quando comparados aos não fumantes.

    Relatos realizados por KENNEY et al (1997) demonstraram que o fumo exerce efeito negativo nos tecidos periodontais , pelo prejuízo da fagocitose, redução da quimiotaxia e migração de leucócitos polimorfonucleares.MILLER (1987) relatou que o fumo tem uma influência deletéria nos resultados dos procedimentos de recobrimento radicular usando enxerto gengival livre.
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    A relação entre a fumaça do cigarro e a ocorrência de periopatógenos (Aa, Bacteróides gingivalis e Bacteróides intermedius) foi investigada por PREBER et al (1992). Este estudo foi baseado em 145 pacientes (52 homens de 32 a 73 anos e 93 mulheres de 32 a 74 anos) com periodontite severa, sendo que 82 pacientes eram fumantes e 62 não fumantes. Amostras foram coletadas de sítios periodontais com profundidade de sondagem maior ou igual a 6mm. Os autores observaram que não houve diferença estatística na contagem bacteriana entre fumantes e não fumantes.

    PREBER & BERGSTRÖM (1990) estudaram os efeitos do consumo do cigarro na cicatrização periodontal após terapia cirúrgica (Retalho de Widman Modificado) em 54 pacientes, dos quais 24 eram fumantes. Aavaliação foi feita após 12 meses da cirurgia, resultando numa redução da profundidade de sondagem de 0,76 ± 0,36mm em fumantes e 1,27 ± 0,43mm em não fumantes.

    Estudos realizados por QUINN et al (1996) comprovaram que o fumo está associado à redução dos níveis de IgG2 sérica em pacientes negros com periodontite de início precoce generalizada, mas não em pacientes com periodontite juvenil localizada.

    Estudos comparativos realizados por QUINN et al (1998) relataram haver maior risco de doença periodontal em pacientes fumantes brancos do que em fumantes negros. Além disso, os autores observaram níveis reduzidos de IgG1 e IgG4 em indivíduos fumantes brancos que apresentavam periodontite. IgG3 foi a única subclasse nos adultos que não foi influenciada pelo fumo.

    SILUERSTEIN (1992) relatou alterações realizadas pelos metabólitos do fumo na cicatrização periodontal. O autor concluiu que o monóxido de carbono diminuiu o transporte de oxigênio e o cianeto de hidrogênio inibiu sistemas enzimáticos que operam no metabolismo oxidativo e no transporte de oxigênio a nível celular.

    A associação entre a fumaça do cigarro e a presença de periopatógenos periodontais na infecção subgengival foi estudada por SOCRANSKY et al (1992). Foram coletados dados de 1426 indivíduos (de 25 a 74 anos), dos quais 798 eram fumantes ou ex-fumantes. Os autores observaram que fumantes abrigam níveis significantemente mais altos de B. forsythus, P. gingivalis e P. intermedia.

    STOLTENBERG et al (1993) associou a cicatrização reduzida em fumantes à persistência de B. forsythus e P. gingivalis após o debridamento mecânico.

    Os efeitos da fumaça do cigarro na resposta cicatricial após Regeneração Tecidual Guiada (RTG) em defeitos infra ósseos profundos foi investigada por TONETTI et al (1995). Foram avaliado 71 defeitos de 51 pacientes que sofreram cirurgia de RTG com membrana de Teflon PTFE (politetrafluoretileno expandido). Vinte pacientes (32 defeitos) fumavam mais de dez cigarros por dia, enquanto que 31 pacientes (39 defeitos) não fumavam. Após 1 ano de acompanhamento, verificou-se que fumantes apresentaram menor nível de inserção à sondagem do que não fumantes (2,1 ± 1,2mm comparado a 5,2 ± 1,9mm),concluindo que a fumaça do cigarro reduz a resposta cicatricial após RTG.

    TROMBELLI et al (1997) avaliaram a resposta cicatricial em defeitos de recessão gengival após RTG em fumantes. Foram avaliados 22 indivíduos, os quais apresentavam defeito de recessão gengival classe I e II de Miller que foram tratados com membranas de Teflon PTFE. Após o período de 6 meses da intervenção, os autores observaram que profundidade de recessão, profundidade de sondagem, nível de inserção clínica e largura tecidual queratinizada apresentaram resultados inferiores nos indivíduos fumantes.

    DISCUSSÃO:

    Resultados de pesquisas relataram que fumantes apresentam perda óssea alveolar acelerada, menores níveis de inserção clínica, assim como maior profundidade de bolsa periodontal 1,2,7,8,9,.

    Com relação à influência do fumo na ocorrência de periopatógenos(Aa, Porphyromonas gingivalis e Prevotella intermedia9,21 têm-se relatado que fumantes e não fumantes não diferem em relação à composição microbiana da placa dental, embora hajam autores que relataram que o fumo pode aumentar a proporção de bactérias anaeróbias, devido ao seu potencial oxiredutor na placa bacteriana26. Além disso, outros autores relataram que fumantes abrigam níveis significantemente mais altos de Bacteroides forsythus, P. gingivalis e Aa, 15,19,27.

    É de comum acordo que os efeitos do fumo prejudicam a resposta cicatricial à terapia periodontal. 3,14,15,22,18,25, Isto foi verificado através de resultados menos favoráveis(em relação a profundidade de bolsa e ganho de inserção periodontal) obtidos após terapia periodontal não cirúrgica (raspagem e alisamento radicular) e cirúrgicas (retalho de Widman modificado, Regeneração tecidual guiada, enxerto ósseo desmineralizado congelado seco e recobrimento radicular com enxerto gengival livre)20,28,29. Acredita-se que essa resposta periodontal diminuída se deva à inibição do crescimento de fibroblastos gengivais e sua produção de fibronectina e colágeno tipo I, além da aumentada atividade da colagenase observada na presença da nicotina 10 . Outros relataram que este resultado negativo do fumo na cicatrização está relacionado à constrição dos vasos sangüíneos gengivais e hipóxia crônica dos tecidos periodontais11 devido ao efeito da nicotina, diminuição do transporte de oxigênio pelo monóxido de carbono e inibição de sistemas enzimáticos que atuam no metabolismo oxidativo e transporte de O2 para as células, pelo cianeto de hidrogênio25. Além disso, há quem defenda que esta resposta cicatricial reduzida esteja associada à persistência de B. forsythus e P. gingivalis subgengivais após o debridamento mecânico26.

    A influência do fumo na resposta imunológica do hospedeiro revelou que a nicotina prejudica a atividade bactericida dos neutrófilos contra patógenos orais,17,19 através da inibição da produção de superóxidos e peróxido de hidrogênio, os quais são responsáveis pela morte bacteriana12. Observou-se também, que o fumo reduz a capacidade proliferativa de linfócitos B e T, além de prejudicar a fagocitose de leucócitos polimorfonucleares do sangue periférico e reduzir a quimiotaxia e migração destes4.

    Estudos recentes revelaram que o fumo reduz os níveis de IgG2 sérica16,24, que está relacionada a ativação da via alternativa do sistema complemento e é a subclasse dominante para agir contra o Aa; esses resultados foram expressados de maneira mais significante em indivíduos negros com periodontite de início precoce generalizada23. Estudos revelaram um maior risco de desenvolvimento de doença periodontal em pacientes fumantes brancos do que em fumantes negros, demonstrando a influência da raça associada ao fumo na severidade da doença periodontal24. Além disso recentes pesquisas têm mostrado que não existe diferença entre fumantes e não fumantes em relação a quantidade de placa13, embora alguns pesquisadores acreditem que fumantes apresentam índice de placa e sangramento gengival mais baixos pelo fato da manifestação clínica da gengivite nesses pacientes serem suprimidas5,6.

    Todos estes malefícios causados pelo fumo têm sido relatados como dose dependentes.

    CONCLUSÕES

    · O fumo acelera a reabsorção óssea alveolar e provoca maior perda de inserção clínica.

    · A nicotina inibi a proliferação de fibroblastos gengivais, produção de fibronectina e colágeno tipo I; elementos de suma importância no processo de cicatrização.

    · O monóxido de carbono e o cianeto de hidrogênio diminuem o transporte de O2 para os tecidos, prejudicando a cicatrização.

    · Neutrófilos expostos à nicotina apresentam sua produção de superóxido e peróxido de hidrogênio diminuídas.

    · A nicotina prejudica a quimiotaxia, fagocitose, migração e fixação das células de defesa nos tecidos gengivais.

    · O sistema imune de pacientes fumantes brancos é mais afetado pelo fumo do que o de fumantes negros.

    · Linfócitos B e T expostos ao tabaco apresentam reduzida capacidade proliferativa, limitando a produção de Ig protetora contra patógenos orais.

    · Não existe diferença entre fumantes e não fumantes com relação à quantidade de placa bacteriana diante de comparável higiene oral.